Os pescadores do Mar da Galiléia, trabalhando em seus barcos, freqüentemente enfrentavam dificuldades em sua luta pela sobrevivência. Nos quatro Evangelhos encontramos seis narrativas semelhantes, nas quais os discípulos se sentem em perigo atravessando de barco o mar agitado. Em três delas, em Mateus, Marcos e João, após a partilha eucarística dos pães com a multidão, os discípulos estão a sós no barco e Jesus vem a eles andando sobre as águas. Já na narrativa de hoje, em Marcos, bem como nas duas paralelas em Mateus e Lucas, os discípulos estão atravessando o mar em direção a um território gentílico, e Jesus encontra-se dormindo no barco. Estas narrativas, que circulavam como tradição entre aquelas comunidades que se caracterizavam por ter origem no judaísmo, parecem inspiradas em passagens do Primeiro Testamento, tais como o livro de Jó (primeira leitura), o livro de Jonas (Jn 1,1-16), bem como os Salmos (Sl 107,25-30; 89,10). O "passar para a outra margem" e as diversas viagens de barco, destacadas por Marcos, indicam a mobilidade de Jesus entre a Galiléia gentílica, com presença de colonos e comerciantes judeus, e os territórios vizinhos predominantemente gentílicos. Nesta narrativa temos um "milagre da natureza", com a curiosa imposição de silêncio ao vento e ao mar. Há um contraste entre a tranqüilidade de Jesus e a angústia e perturbação dos discípulos, diante do "mar agitado". Jesus dá andamento a sua proclamação, enfrentando tranqüilamente os conflitos oriundos de seus adversários. Contudo, os discípulos estão atemorizados à vista deste novo contexto criado por Jesus, particularmente agora, quando vão em missão em território exclusivamente gentio. Ante o perigo, os discípulos questionam Jesus: "... não te importa que estejamos perecendo?", seguindo-se sua reposta: "Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?". Os discípulos, no barco batido pelas ondas, exprimem as comunidades com suas dificuldades no cumprimento de sua missão. Porém, se até o vento e o mar obedecem à palavra de Jesus, porque, enchendo-nos de conforto e fé, não iremos nós também obedecer a esta Palavra? A segunda leitura reflete a teologia paulina, centrada no Cristo morto e ressuscitado, sem maiores referências ao decorrer da vida e do ministério do Jesus humano e histórico.